Por Dra. Leticia Sangaletti
Por muito tempo, minha rotina aos finais de semana, começava ao som do silêncio e de uma cuia de mate ou, às vezes, uma xícara de café. Era nesse intervalo sem pressa, sem ruído, que as ideias se ajeitavam por dentro, e os sentimentos também. Antes de qualquer notificação, de qualquer frase postada ou palavra escrita, havia uma pausa. E essa pausa dizia muito. Nos dias de semana, corridos pelo trabalho, ficava difícil exercer a ausência de ruído.
A gente tem mania de achar que o silêncio é ausência. Mas, pra mim, ele sempre foi presença. Presença de mim comigo mesma. Presença do que ainda não sei dizer. Presença do que sinto sem precisar explicar. Talvez eu tenha demorado para perceber isto, porque vivemos num tempo em que todo mundo fala, escreve, grava, publica, e é bonito ver tanta voz ganhando espaço, claro. Mas às vezes me pergunto se, no meio desse excesso de fala, a gente não anda esquecendo do que se revela no silêncio.
Porque ele também comunica. Comunica com força. Uma pausa entre duas frases pode significar cuidado, dúvida, emoção. Um olhar sustentado em silêncio pode dizer mais do que mil palavras empilhadas. Um texto que respira, que deixa espaço, que não corre para concluir, pode tocar mais fundo do que aquele que entrega todas as respostas. O silêncio intencional pode fechar negócios.
Outro dia assisti Aftersun, um filme delicado, recente, que deixa mais perguntas do que certezas. E senti que era justamente isso: a beleza do que fica no ar. Do que não é dito, mas pulsa. O silêncio entre o pai e a filha, os gestos quebrados, as memórias fragmentadas, em que tudo diz. Tudo fala. E é aí que mora a poesia.
Na literatura, é Manoel de Barros quem me lembra disso. Quando ele escreve que “o silêncio é a alma das palavras”, eu quase escuto essa frase com o corpo inteiro. Os poemas dele parecem sempre deixados no ponto em que a gente sente que algo importante ficou por vir, mas ele não diz. Ele confia no silêncio pra completar a fala.
E talvez seja isso que eu mais admire: quando o silêncio é escolha, não ausência. Quando ele não é sobre se calar, mas sobre escutar melhor. Sobre dar tempo ao tempo, às emoções, aos pensamentos. Sobre estar. Estar de verdade, sem a urgência de performar presença.
Nem todo texto precisa ser redondinho. Nem toda conversa precisa ser resolvida. Às vezes, deixar uma frase no ar é mais honesto do que tentar encerrá-la. Às vezes, é numa vírgula bem colocada que mora a verdade. Às vezes, o silêncio é o lugar onde a palavra certa nasce.
E hoje, com tanto barulho por todos os lados, escolher o silêncio pode ser uma forma de resistência. E também de cuidado. Cuidar do que a gente sente, do que o outro vive, do que ainda não foi dito e talvez nem precise ser proferido.
Porque comunicar bem não é falar o tempo todo. É saber quando calar também é um gesto de presença. Um jeito de dizer: estou aqui, mesmo quando não digo nada.
Ouça mais, Seja presença.
P.S.: Bento nasceu, e me fiz silêncio para ser presença em sua vida. Provavelmente eu não teria silenciado em qualquer outra situação. Vivi seu nascimento, estando ali, para ele, para minha família e para minha saúde. Porque sim, silêncio também é presença!