Por Dra. Leticia Sangaletti
A forma como te comunicas diz mais sobre ti do que muitas vezes somos capazes de perceber. Em cada palavra escolhida, em cada silêncio sustentado, em cada vírgula colocada com intenção, revelamos traços da nossa identidade. A comunicação não é apenas um meio de transmitir ideias, é uma forma de nos posicionarmos diante do mundo, de dar forma àquilo que somos e à maneira como desejamos ser percebidos. No final das contas somos um inventário de coisas que nos compõe e todas elas dizem (ou gritam algo).
A abundância de vozes é uma das características da era que estamos vivendo, isso porque, nunca foi tão fácil se expressar e, paradoxalmente, nunca soamos tão parecidos. O que se vê, é uma uniformização de discursos, um certo automatismo que vem sendo alimentado por fórmulas, algoritmos e inteligências artificiais. Em meio a tantos textos prontos, imagens bem curadas e palavras estrategicamente escolhidas para agradar, o desafio de sustentar uma linguagem verdadeiramente autêntica se torna ainda mais urgente. E, talvez, por suposto, mais raro.
A autenticidade na comunicação não se resume a dizer o que se pensa. Ela envolve reconhecer de onde vêm os pensamentos, quais experiências os moldaram, que silêncios os cercam. É um exercício de presença e consciência. Clarice Lispector dizia que “a palavra é o meu domínio sobre o mundo”. Essa ideia, mais do que poética, é política: comunicar-se é afirmar existência, é ocupar espaço com responsabilidade. A forma como dizemos algo importa tanto quanto o conteúdo em si, pois é através dela que revelamos nossa escuta, nosso repertório, nossa intenção e até mesmo nossa ética.
No campo da linguagem, há quem use as palavras como escudo, com o intuito de se proteger (e quem, sabe, por que não, até esconder). Há também quem as utilize como verniz, tentando encobrir a vulnerabilidade com discursos bem acabados e polidos. Por outro lado, há quem se revele nos detalhes: no esforço por clareza, na escolha de um termo mais gentil, no cuidado com a forma como uma mensagem pode ser recebida.
Assim, podemos conceber e compreender a linguagem como espelho ou armadura. Pode ser ponte ou muralha. E cabe a cada um de nós decidir como utilizá-la e para qual finalidade.
Esse processo de construção de identidade através da linguagem não se dá apenas no âmbito pessoal. Marcas, projetos, instituições também comunicam e constroem, por meio da linguagem, a forma como habitam o mundo. Num momento em que tanto se fala em posicionamento, é mais do que preciso, é necessário lembrar que todo posicionamento começa pela linguagem. Não se trata apenas de “falar bem”, mas de comunicar com coerência, de assumir responsabilidade sobre o que se expressa. Cada escolha linguística carrega uma visão de mundo, e somos constantemente interpretados não apenas pelo que dizemos, mas pelo modo como escolhemos dizer.
Nesse contexto, não posso deixar de pontuar que a inteligência artificial surge como ferramenta poderosa, mas também como espelho de um dilema contemporâneo. A IA pode gerar textos, sugerir palavras, simular tons, mas ela não tem biografia, não carrega vivência, não conhece nuance (Já comentei sobre isso em uma coluna anteriormente!!). Cabe a nós o papel de curadoria: escolher o que dizer, como dizer e, principalmente, por que dizer, usando a tecnologia como meio, pois ela não pode substituir a experiência de ser.
Por isso, mais do que buscar a linguagem “correta”, talvez seja hora de buscar a linguagem que seja coerente com quem somos. Uma comunicação alinhada entre o que se sente, o que se pensa e o que se expressa. Porque, no fim das contas, comunicar-se bem não é um exercício técnico. É um exercício ético, poético e humano. A linguagem não é apenas o que mostramos ao mundo é o que o mundo vê de nós.
E, diante disso, te pergunto: o que tua linguagem tem revelado sobre ti?